segunda-feira, 1 de junho de 2009

Sobre a verdade: cercando... algum rebanho?

A verdade tem pé na fé. Um tipo de barquinho furado de difícil controle, mas necessário para permanecer sobre as águas mais profundas enquanto afundamos deliciosamente. Um equilíbrio impossível, mas ‘mais fácil que trepar em pé na rede’, como diria um antigo professor meu.

É sempre noite em alguns lugares do oceano, águas onde os olhos são postos na lua. Estrelas descem para nadar junto e ficam nos seduzindo, contando segredos que só escutam os que depositam fé. Nisso abrem novos caminhos. É como se fosse um foco da atenção. Quase inocente, indevido.

Verdade é uma palavra. Palavra é uma tentativa de representação. Representação é uma tentativa de fazer presente (e isso é sagrado). Memória permite quebrar a cabeça e juntar representações. Verdade é como um salto qualitativo na memória. É uma lembrança. Mas tem haver também com aproximação da totalidade, abstração, negativo. Se não fosse palavra, seria independente do indivíduo. Verdade não existe.

Por outro lado, verdade tem haver com dia. Então é uma areia quente e fina, de atmosfera direta de luz. Deserto bíblico de tão real, não de mar canto e sereia. Alguém prudente poderia pensar agora: ‘que viagem’, querendo desmoronar tudo. Enquanto, pelas costas, alguém com a faca: ‘que postura mais autoritária do pensamento, inventando um mundo que não existe!’, e uma mocinha de patins passaria sorrindo a morte da verdade. ‘Estamos livres!’.

Alucino o fim da verdade, a morte do tempo. Mas isso pressuporia sua realização. Ou seja, olhos fixos para reparar o monstro. E não simplesmente instituir que o monstro não existe. Ele está para todos nós, cotidianamente. Tenho medo desse deserto sem sol, seus sem números de miragens, de onde a palavra se abre.

Verdade é uma palavra-alucinação (tudo bem... toda palavra alucina). Do deserto ela brinca de teatros, simulados e gêneros. Mas simplesmente é. Por isso dizer que a verdade existe antes da palavra, diria até – e numa altura dessas vocês já não devem me levar tão a sério – antes do humano. Por isso, dentre outras coisas, ela às vezes aparece autoritária. Pede para entrar só pra fingir considerações. E quando encontra alguma voz que a anuncie, se revela dona do todo. Podem até haver outras sugestões, mas é ela quem determina.

Relativizar, fazer relações, buscar o novo, reparar o diferente – ótimo! E a gente vai construindo como se fosse um castelo de parâmetros, no mundo humano, onde o sol e a lua são postos em movimento. A verdade é, quase, de mundo parado: alucinado e sagrado. Mas será que por isso mereça ser banida do nosso linguajar cientifico? Ser caçoada em congressos?

Quase todos sabemos que verdade é uma mentira. Mas não deveríamos deixar a criança vazar com a água do banho – ainda mais se a criança ainda nem nasceu ou nasceu precoce. Carece cuidado, reflexão: se não pensamos em verdade, falamos em mentira? Espelho, sim e não, certo e errado, ... Daí talvez alguém atualizado dissesse: ‘é preciso um novo vocabulário para entender o mundo pós-moderno’, se referindo (mesmo sem saber) ironicamente ao meu barquinho furado. No que eu, humildemente, maturaria, ‘estão colocando o carro na frente dos bois’, e resmungaria ‘pós-moderno...’ em algum suspiro de quem já ta cansado.

Ato final: cena única.
Uma mulher de grande sabedoria dizendo sobre o traumático, sobre a impossibilidade de digerir, comunicar. E então vomitava e tornava a comer tudo, até que fizesse algum sentido. Frágil, de cartas e cifras. Fazia tudo isso sem tirar da cara um semblante de paz, e nos sorria.

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