quinta-feira, 11 de junho de 2009

Deveras sente

Deveriam eliminar os corações poetas. Deveriam instituir algum respeito, algum segredo, algum lugar sagrado – lembrar da calma oceânica que periga estourar os tímpanos ou dos jardins e flores que podem derreter os miolos – que se volte contra eles e os revele criminosos. Caça a esses fingidores! Deveriam usar o silêncio, esse barulho mentiroso de sentimentos.
Ensinássemos pisar sobre os corações até que eles virassem uvas, e nós nos faríamos de vinho. Sangue sussurrando verbos fermentados. Chupar a morte para depois então comê-la e ser comido. Lamber cada gota que escapar da vida, e devanear abrigos. Saber-se extremamente sozinho e escolher o lado errado. Quebrar as pernas e pedir cuidado.
Coração poeta veio ao mundo para ser violento e violentado nesse teatro do amor, seu gosto por inventar histórias e sofrer. Suas máscaras que criam raízes, seu desejo doente em seduzir, sua inocência perversa cantando ‘água de beber, camará’. Suas vítimas. Deveriam acabar esquartejados, expostos em praça pública, denunciados em horário nobre, ‘são falsos, vergonhosos; eliminem esses contraventores!’.
Eu bem sei o estrago desses monstrinhos sonhadores, são exageradamente sinceros, vivem conflitando. Adulteros, infectam nosso cortex com açucar sal e pimenta. Deveríamos prender, enjaular esses corações que batem punheta, eles e seus amadores. Todos uns loucos sado-masoquistas! Brincam com seus donos. Destruam esses tradutores! Inauguremos uma nova guerra!
Posso até imaginar, a cidade se agitando, as mocinhas se enfeitando, as mães de preto, aquele vento vazio varrendo a rua, a molecada correndo atrasada e gritando, ‘acharam mais um coração fingido’.
Então eu, todo coração, ciente do meu mau, caminharia até a praça, e de braços abertos me entregaria em versos, terminado com um ‘por favor, me livrem de tanta fantasia, sou um pobre escravo da poesia’. Porém os sensores, coerentes com meu mau risonho, mal me ouviriam. Muito menos se preocupariam com meu coração. Eu passaria despercebido. Então gritaria, e nada. Nem Pessoa nem Quintana nem nada. Minha dor não pode ser sentida. Não posso pedir socorro. Sou uma mentira.

3 comentários:

  1. acho, inclusive, que todo coração é poeta. Do seco ao profeta.

    ResponderExcluir
  2. "coreções que batem punheta".e não é mentira é a sinceridade mais doída e impossível. Solitários, com prazer e dor.


    (coruja)

    ResponderExcluir